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Split payment e recuperação judicial: O impacto silencioso da reforma tributária

Como uma empresa em recuperação judicial poderá se reorganizar se parte do seu fluxo de caixa será retido na origem?

1. O que muda com o split payment?

A reforma tributária introduz o split payment, sistema pelo qual a parcela tributária da operação é automaticamente destinada ao fisco antes de ingressar no caixa do contribuinte. Em vez de receber o valor integral e posteriormente recolher o imposto, a empresa passa a ter acesso apenas ao montante líquido.

O mecanismo é apresentado como solução moderna para:

Reduzir inadimplência;
Impedir manobras de caixa;
Assegurar arrecadação imediata aos entes federativos.
Trata-se de uma engenharia fiscal sofisticada. Contudo, quando aplicada a empresas em crise, revela um efeito colateral relevante: a compressão do capital de giro disponível.

2. O impacto direto nas empresas em recuperação judicial

Empresas em RJ - Recuperação Judicial operam em ambiente sensível. Precisam de fluxo financeiro suficiente para:

Manter operações básicas;
Cumprir o plano de recuperação aprovado em juízo;
Honrar obrigações correntes e emergenciais.
O split payment interfere justamente nesse ponto. Ao reter automaticamente a parcela tributária, o Estado passa a apropriar-se de parte do fluxo de caixa de maneira instantânea, reduzindo a autonomia financeira da empresa.

As consequências são imediatas:

Menos caixa para negociação com credores;
Menor margem de reorganização;
Redução expressiva do capital de giro;
Risco concreto de inviabilização do plano de RJ.

3. A nova dinâmica com os credores

A posição do crédito tributário sempre foi peculiar. Ele:

Não se submete ao plano de recuperação;
Possui regras próprias de parcelamento;
Detém privilégios legais robustos;
É regido pela lei 14.112/20 em moldes mais protetivos ao fisco.
Com o split payment, essa prioridade se intensifica. O fisco passa a receber antes de todos, inclusive dos credores com garantia real e dos trabalhistas, que até então detinham preferência legal prática.

O resultado é claro:

O fisco recebe instantaneamente;
Credores privilegiados aguardam;
O caixa da empresa encolhe;
O plano de recuperação pode tornar-se inexequível.
O mecanismo, pensado para eficiência arrecadatória, acaba por estreitar a própria funcionalidade da RJ como instrumento jurídico de preservação empresarial.

4. Impactos práticos esperados

A implementação do split payment deve produzir, na prática, ao menos cinco efeitos previsíveis:

a) Aumento da taxa de insucesso das RJs

Empresas de menor robustez financeira terão dificuldades para equilibrar receitas líquidas, tributos retidos e cumprimento do plano.

b) Revisão estrutural dos planos já aprovados

Planos futuros precisarão recalcular receitas líquidas e margens, considerando que parte da operação nunca chegará ao caixa.

c) Crescimento da procura por financiamento DIP

A busca por investidores com prioridade de recebimento deve se intensificar para suprir o capital perdido.

d) Menor poder de barganha com credores

A redução do caixa impacta diretamente a capacidade de negociação.

e) Possível aumento das falências

Caso a dinâmica financeira não seja compatível com a nova engenharia tributária, a recuperação judicial pode tornar-se, para alguns setores, um caminho inviável.

5. Considerações finais

É inegável que o split payment representa um avanço no controle fiscal, alinhando o Brasil a práticas internacionais modernas. Mas seu desenho segue a lógica da arrecadação - e não a lógica da reestruturação empresarial.

Para evitar que o mecanismo inviabilize o instituto da recuperação judicial, será indispensável:

Interpretação judicial protetiva à função social da empresa;
Adequação dos planos de RJ e das projeções financeiras;
Regulamentação sensível ao princípio da preservação empresarial, consagrado no art. 47 da lei 11.101/05.
Enquanto isso, o alerta permanece: empresas em crise enfrentarão compressão de caixa, perda de liquidez e maior fragilidade estrutural.

Encontrar o equilíbrio entre eficiência arrecadatória e preservação empresarial não é apenas recomendável - é necessário. Sem esse ajuste, corre-se o risco de transformar a recuperação judicial em um instituto formalmente existente, porém economicamente inviável.

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